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Psicodélicos para tratar doenças psiquiátricas: o que sabemos até agora

As drogas psicodélicas se mostram realmente promissoras para o tratamento das doenças psiquiátricas, particularmente o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), a depressão e a ansiedade, sugere nova pesquisa.

Uma revisão da literatura mostrou haver embasamento sólido de ensaios clínicos sobre a eficácia da 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA), também conhecida como ecstasy nas ruas, para tratar o TEPT crônico.

A revisão também confirmou que a psilocibina, substância encontrada em algumas espécies de cogumelos, ajudou significativamente no tratamento da depressão e da ansiedade relacionados com o câncer.

Outros resultados promissores, embora mais preliminares, sugerem que a droga alucinógena dietilamida do ácido lisérgico (LSD, sigla do alemão LysergSäureDiethylamid) e uma bebida de ervas chamada ayahuasca, também podem ser eficazes no tratamento dos transtornos psiquiátricos.

O autor sênior Dr. William M. McDonald, médico, diretor da cátedra de depressão no fim da vida e professor de psiquiatria e ciências comportamentais na Emory University School of Medicine, nos Estados Unidos, disse que o tratamento com a psilocibina pode representar um paradigma terapêutico inteiramente novo para alguns tipos de depressão.

Nos ensaios clínicos revisados por sua equipe, os tratamentos não estavam somente "ajudando os pacientes a melhorar, mas, na verdade, estavam os mantendo bem", disse Dr. William para o Medscape.

"O que é muito impressionante para mim é que isso tem de fato o potencial de oferecer alguns novos tratamentos utilizando mecanismos muito novos", acrescentou o médico, que comentava tanto sobre o MDMA como a psilocibina.

O estudo foi publicado on-line em 26 de fevereiro no periódico American Journal of Psychiatry.

MDMA para TEPT

Os pesquisadores analisaram os resultados de 14 ensaios clínicos bem desenhados que exploraram a eficácia do MDMA, da psilocibina, do LSD e da ayahuasca no tratamento de vários transtornos. Dentre os transtornos avaliados estavam: transtornos do humor e da ansiedade, transtornos relacionados com estresse e trauma, transtornos relacionados com o uso de substâncias e transtornos de dependência química.

Alguns estudos também analisaram o tratamento assistido com psicodélicos no atendimento no final da vida.

Os achados revelaram resultados especialmente positivos com o uso do MDMA para o TEPT e da psilocibina para a depressão.

Em um estudo feito em 2011 sobre o uso de MDMA em sessão de psicoterapia, 23 participantes com TEPT crônico fizeram duas sessões de psicoterapia, tomando a droga ativa ou placebo.

O estudo usou a pontuação dos participantes na Clinician-Administered PTSD Scale (CAPS), normalmente utilizada para a avaliação do TEPT, e na qual uma pontuação ≥ 50 indica sintomas de TEPT resistentes ao tratamento. A média da pontuação inicial foi de 79,6 para o grupo do placebo versus 79,2 para o grupo do MDMA.

Três a cinco dias após a primeira sessão experimental de psicoterapia, a pontuação na CAPS foi de 74,1 para o grupo do placebo e de 37,8 para o grupo do MDMA. Três a cinco dias após a segunda sessão experimental, a pontuação da CAPS foi de 66,8 para o grupo do placebo e 29,3 para o grupo do MDMA.

Dois meses após a segunda sessão experimental, a pontuação na CAPS diminuiu ainda mais, para 59,1 no grupo do placebo e 25,5 no grupo do MDMA (P = 0,013).

Além disso, uma proporção significativamente maior do grupo do MDMA (10 de 12) do que do grupo do placebo (dois de oito) correspondeu aos critérios de resposta categórica.

O estudo, em seguida, ofereceu a todos os participantes tratados com placebo a opção de receber subsequentemente o tratamento ativo, e sete de oito participantes aceitaram. Os resultados mostraram que os sete tiveram resposta clínica significativa quatro a seis semanas após duas sessões psicoterápicas usando MDMA.

Tratamento imediato e efeitos tardios?

Em 2018, os mesmos pesquisadores fizeram um estudo com bombeiros, policiais, militares e veteranos com diagnóstico de TEPT refratário.

O estudo designou aleatoriamente os participantes (N = 26) para receber MDMA em baixa dose, dose moderada ou alta dose em duas sessões de psicoterapia com um mês de intervalo.

Os resultados revelaram que os grupos de dose moderada e alta tiveram redução significativamente maior dos sintomas de TEPT do que o grupo de dose baixa. Quase todos os participantes (seis de sete) do grupo da dose moderada e 7 dos 12 participantes do grupo da dose alta tiveram remissão completa dos sintomas do TEPT. No grupo de dose baixa, dois de sete participantes tiveram remissão.

O primeiro autor do estudo, Dr. Collin Reiff, médico e professor assistente de psiquiatria da New York University School of Medicine e da NYU Military Family Clinic, nos EUA, é especializado no tratamento da dependência química e do trauma – e trata de militares veteranos com TEPT.

Dr. Collin disse para o Medscape que há uma alta taxa de abandono da psicoterapia entre os pacientes com TEPT, e que muitas vezes apresentam efeitos colaterais importantes dos medicamentos usados para tratar o transtorno.

"Com base nos dados que já vi, parece que o MDMA pode ser a melhor opção terapêutica", disse o pesquisador.

Um diferencial é que o MDMA parece produzir melhora com tratamentos muito curtos, acrescentou o médico.

"Você não precisa tomar um medicamento durante meses ou anos ou por toda a vida", disse Dr. Collin.

 

Psilocibina para ansiedade e dependência química

A revisão também mostrou resultados positivos com o uso de psilocibina para tratar a depressão.

Um estudo feito em 2016 avaliou a eficácia de uma alta dose de psilocibina junto com psicoterapia para pacientes com ansiedade e depressão relacionadas com câncer. Dois terços dos participantes do estudo (N = 29) tinham doença avançada (estágio 2 a 4).

Após o tratamento, os pacientes que receberam psilocibina tiveram redução significativa (> 50%) da pontuação nas escalas de depressão e ansiedade comumente usadas.

Os pacientes que receberam placebo não tiveram redução dos sintomas. No entanto, apresentaram melhora significativa na fase cruzada em que receberam psilocibina.

Aproximadamente seis meses após o tratamento, 60% a 80% dos participantes ainda tinham diminuição sustentada da pontuação nas escalas de depressão e ansiedade, que foram pelo menos 50% mais baixas do que antes de fazer o tratamento.

"Essa ideia de fazer sessões de psicoterapia com psicodélicos e fazer com que os pacientes fiquem bem durante semanas a meses é realmente atraente", disse Dr. William.

Os pesquisadores também encontraram evidências de ensaios clínicos indicando que a psilocibina pode ajudar a parar de fumar e no tratamento da dependência química.

Os resultados também são promissores em relação ao uso de LSD para pacientes com ansiedade relacionada com doença física e de ayahuasca para pacientes com depressão.

Novos mecanismos de ação

Alguns estudos utilizaram ressonância magnética funcional (RMf) para avaliar como o cérebro dos participantes respondem aos psicodélicos. O Dr. William indicou que essas respostas e outras medidas mostrando como as drogas podem agir são particularmente interessantes.

"Essas substâncias têm mecanismos de ação muito novos", disse o professor. "Eles são mecanismos muito diferentes de alguns dos antidepressivos utilizados atualmente. Isso descortina uma área toda nova de pesquisa."

A Food and Drug Administration (FDA) norte-americana já tomou ciência dos resultados convincentes sobre o uso do MDMA e da psilocibina para tratar certos transtornos.

A FDA designou o MDMA como uma "tratamento inovador" para o TEPT em 2017 e a psilocibina como "tratamento revolucionário" para a depressão refratária em 2018. Essas designações conferem prioridade a essas drogas no processo de regulamentação da FDA.

Dr. William e Dr. Collin disseram que a revisão se revela realmente promissora para o uso de psicodélicos no tratamento de algumas doenças, no entanto, são necessárias mais pesquisas antes de qualquer dessas drogas ficar disponível para uso clínico, acrescentaram os autores.

"Muita pesquisa ainda precisa ser feita. Nós realmente não entendemos o potencial de dependência dessas drogas", advertiu Dr. William.

"Ao mesmo tempo, com a pesquisa nós revisamos, realmente há um potencial aqui. De fato, é necessário haver um esforço para acelerar o conhecimento acerca dessas substâncias e compreender o seu potencial", disse o psiquiatra.

Pesquisa "instigante"

Convidado a comentar os resultados para o Medscape, o Dr. Matthew Johnson, Ph.D., professor associado de psiquiatria e diretor associado do Center for Psychedelics and Consciousness Research na Johns Hopkins University, nos EUA, disse que a revisão encapsula com eficácia as "linhas de pesquisa" promissoras para o uso de psicodélicos em certos transtornos psiquiátricos.

O Dr. Matthew acrescentou que a dimensão e a duração dos efeitos nos ensaios clínicos resumidos pelo artigo são instigantes.

"É realmente muito surpreendente que você possa administrar uma substância uma ou algumas vezes sob supervisão e constate efeitos importantes e duradouros, melhora clínica durante seis meses, até mesmo um ano mais tarde", disse o comentarista.

No entanto, Dr. Matthew destacou que a exploração vigente dos psicodélicos só deve ser feita no contexto das pesquisas.

"Estas substâncias são poderosas, são ferramentas poderosas", disse o especialista. "Se causarão benefícios ou prejuízos vai depender muito do contexto. Sabemos que esses compostos, algumas vezes, fazem mal."

Dr. Matthew também observou que os pesquisadores devem trabalhar para incluir um amplo cruzamento da população nos próximos estudos. As minorias e as pessoas de baixa renda estão sub-representadas em muitos dos estudos feitos até hoje.

Se pesquisas mais avançadas continuarem a mostrar eficácia, e demonstrarem que essas substâncias são seguras se administradas de modo adequado, Dr. Matthew disse acreditar que as drogas possam estar disponíveis para uso clínico em psiquiatria nos próximos cinco anos.

"É de fato instigante. Se os resultados se sustentarem, têm o potencial de ser uma mudança de paradigma no tratamento da saúde mental", disse o comentarista.

Dr. William McDonald recebeu subsídios de pesquisa de Cervel Neurotherapeutics, National Institute of Neurological Disease and Stroke, National Institute on Aging, NeoSync, Neuronetics, NIMH, Soterix e da Stanley Foundation; presta consultoria para a Signant Health; recebe royalties da Oxford University Press; e patrocínio da JB Fuqua Foudation. Os conflitos de interesses dos outros autores do estudo constam no artigo original. Dr. Matthew Johnson foi pesquisador em um estudo para a cessação do tabagismo que fez parte dos estudos avaliados nesta nova revisão.

Fonte:  portugues.medscape.com/verartigo/6504645#vp-1

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